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O mistério dos animais que são metade macho, metade fêmea

Olhando pelo lado direito, um frango da granja de H. E. Schaef se parecia com qualquer galo juvenil, com sua crista e papo vermelhos. Mas, pelo outro lado, seria possível pensar que se tratava de uma galinha, com seu corpo mais leve e arredondado.
Até o comportamento do animal era confuso: uma hora tentava acasalar com outras galinhas; em outra hora, punha ovos.
Quando a ave morreu, Schaef decidiu assá-la para o jantar. Mas, depois de depenada, ficou claro que o lado direito de seu corpo era muito maior que o esquerdo.
E, ao abrir a criatura, ele se surpreendeu ao encontrar um testículo e um ovário. Era como se alguém tivesse cortado uma galinha e um galo pela metade e juntado os dois corpos, sem deixar remendos.
A carne do animal acabou no estômago de Schaef, mas o esqueleto foi doado à anatomista Madge Thurlow Macklin, que publicou suas análises na revista científica Journal of Experimental Zoology, em 1923.
Hoje em dia, animais como esse são chamados de “ginandromorfos bilaterais”. Diferentemente dos hermafroditas, cuja fusão de sexos normalmente se encerra nos genitais, esses seres têm o corpo inteiro dividido em dois: macho de um lado e fêmea de outro.
Como gêmeos siameses
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Image captionGalinha ginandromorfa possui testículo e ovário, algo que pode ser resultado de 'truque evolutivo'
Quase um século depois da estranha refeição de Schaef, muitos outros exemplos de ginandromorfos já foram encontrados entre lagostas, caranguejos, bichos-da-seda, borboletas, abelhas, serpentes e várias espécies de aves. Suas estranhas características podem explicar alguns dos mistérios do desenvolvimento do sexo no organismo.
É impossível determinar exatamente qual a frequência com que esses seres surgem na natureza. O biólogo Michael Clinton, da Universidade de Edimburgo, na Escócia, estima que uma em cada 1 milhão de aves se desenvolve dessa maneira. Não se sabe a incidência entre mamíferos.
Durante muito tempo, cientistas assumiram que o fenômeno se devia a um acidente genético após a concepção.
O sexo biológico é determinado pela combinação dos cromossomos sexuais. No ser humano, os homens têm um cromossomo X e um cromossomo Y, enquanto as mulheres têm dois cromossomos X. Em outras espécies, essa definição ocorre de maneira distinta. Em galináceos, por exemplo, os machos têm dois cromossomos Z, enquanto as fêmeas têm um Z e um W.
Há poucos anos, Clinton e sua equipe tiveram a chance de estudar a fundo três exemplares de galinhas ginandromorfas. Quando examinou os genes dos animais, o cientista descobriu que elas tinham cromossomos sexuais normais – ZZ de um lado e ZW de outro.
Ou seja, as criaturas eram basicamente formadas como dois gêmeos bivitelinos unidos pelo centro.

Truque evolutivo

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Image captionBorboletas e outros insetos também podem apresentar ginandromorfia, mais rara em mamíferos
Clinton agora tem outra teoria para a origem da ginandromorfia: quando um óvulo se forma, ele deve descartar metade de seus cromossomos em um pacote de DNA chamado de “corpo polar”. Mas, em casos raros, o óvulo pode manter o corpo polar, assim como seu núcleo.
Se ambos forem fertilizados e a célula começar a se multiplicar, cada lado do corpo se desenvolve com seu próprio genoma e seu próprio sexo.
Esse aparente acidente pode, na realidade, ser um truque evolutivo que deu errado.
Faz tempo que biólogos sabem que a proporção de machos e fêmeas em uma determinada população pode mudar de acordo com o entorno. Durante épocas de mais estresse, as mães têm mais chance de produzir fêmeas – essas têm mais chances de encontrar um parceiro e passar adiante o DNA da mãe.
Clinton acredita que se o óvulo da mãe mantiver seu corpo polar, criando dois núcleos, e cada um deles for fertilizado, ela terá um embrião metade macho e metade fêmea.
A mãe poderia, então, rejeitar o sexo indesejado antes mesmo de liberar seus óvulos, controlando perfeitamente o sexo de seus filhotes. No raro caso de o núcleo indesejado não ser descartado, o resultado seria um ginandromofo.

Mamíferos são diferentes

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Image captionAves afetadas pelo fenômeno tendem a se isolar e não possuem parceiros
As conclusões de Clinton mostram que o sexo se desenvolve de maneira bem diferente em aves e em mamíferos.
Em espécies como o ser humano, são os hormônios sexuais que circulam pela corrente sanguínea que têm o papel mais importante na determinação do gênero do bebê. Isso pode explicar por que não encontramos muitos mamíferos ginandromorfos.
No entanto, o fato de os dois lados do corpo de uma ave poderem se desenvolver de maneira independente mostra que são as próprias células do animal que controlam sua identidade e crescimento.
Mas ainda não sabemos se isso se aplica a todas as criaturas ginandromorfas.
O biólogo Josh Jahner, da Universidade de Nevada, nos Estados Unidos, estuda belas borboletas assimétricas. Ele suspeita que elas tenham origem em óvulos duplamente fertilizados, mas é possível que outros mecanismos contribuam para sua existência.
Explorar esse processo pode ser crucial para entender o milagre do nascimento e da reprodução. Por exemplo, por que os corpos dos animais se desenvolvem em uma simetria quase perfeita?
Há ainda uma última possível explicação para os ginandromorfos: o fato de, em alguns lugares, a atividade humana ter dado origem a eles. Pesquisadores encontraram uma abundância de borboletas ginandromorfas depois dos desastres nucleares de Chernobil, na Ucrânia, e de Fukushima, no Japão.
“Não há como saber se a radiação emitida foi responsável direta pelo fenômeno, mas são coincidências estranhas”, afirma Jahner.
Por enquanto, trata-se de mais um mistério associado a essas belas e quase míticas criaturas.
Fonte: BBC Brasil. Matéria completa em: BBC Earth.
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